quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Quando o homem passou a sentir vergonha de si mesmo?

O que escrevo aqui não se baseia em nenhum estudo científico ou dados históricos cautelosamente recolhidos. Trata-se de uma simples ideia que, de relume, me veio à mente, e achei que merecia ser posta no papel antes que desvanecesse, que fosse arrastada pelas correntezas do incessante rio dos pensamentos, rumo ao esquecimento. Pode ser que, futuramente, essa incipiente e bisonha ideia já esteja mais amadurecida, que tenha sido aprimorada, aperfeiçoada, ou, por outro lado, refutada e descartada. E aí talvez eu pense em revisar esta publicação com mais propriedade. Mas, por enquanto, contento-me em reproduzi-la da forma tosca e desabrida que agora se me apresenta.

Há algumas semanas, tenho lido um pouco a respeito da noção de crime e de moral, chegando à mesma conclusão a que outros homens muito mais aprestados — e que viveram em tempos onde imaginamos que tenha sido mais difícil sê-lo — chegaram, de que ambos são fatores cambiantes, que seguem o devir que escolta as mudanças sociais. De fato, penso que na vida social não há inércia. O que a sério ocorre é que a velocidade de suas transformações é inconstante. Em alguns momentos, retarda a ponto de se tornar imperceptível. Em outros, acelera vertiginosamente, como sucede nas revoluções, que lançam a sociedade no futuro.

Isto em mente, deparei-me com uma questão que me inquietou. Há uma enorme e indelével nódoa que cobre o passado humano, algo que hoje se nos apresenta tão abismático, tão contraditório com a imagem simbólica e romântica que temos de nós mesmos, que nos causa opróbrio. Nós, os antropos, que estamos no topo da cadeia alimentar, que somos o centro do universo, a imagem de Deus, cometemos atrocidades das quais nem o mais irracional e repelente dos animais é capaz. Roubos, estupros, assassinatos? Não. Isto eles fazem com a maior naturalidade, pois trata-se de uma precondição quase que inafastável à sobrevivência no meio selvagem. Mas o homem consegue ir mais além, faz tudo isso e mais sem nenhuma razão aparente.

Contudo, o que realmente me prendeu a atenção não foi os atos de crueldade que praticamos, mas o fato de sentirmos vergonha deles, pois é verdade que nem sempre foi assim. Antigamente,  a título de menção, possuíamos leis que permitiam cortar as mãos de um ladrão, que dava aos pais direito de matar os próprios filhos, e aos credores a faculdade de escravizar os seus devedores. Esta lista sombria é imensa, e ainda devemos levar em conta o fato dela ter chegado até nós fragmentada. Sua maior parte deve ter ficado esquecida nos porões da história. O que fez, então, com que tantas condutas que hoje consideramos crimes dos mais odiáveis, no passado fossem recorrentemente praticadas, e com a maior espontaneidade? Quando foi que o homem passou a sentir vergonha de si mesmo?

Aqui chegamos ao desfecho deste pequeno texto: farei a minha aposta. Foi quando o homem passou a se enxergar como o mais perfeito ser vivente da Terra. Quando resolveu olhar no espelho, bater no peito e dizer vaidosamente "eu sou civilizado". A partir daí, passou reprimir cada vez mais os carácteres que o punham ao lado dos outros animais. O autoconhecimento, seguido da vaidade seria, pois, a chave que teria desencadeado essa mudança paradigmal no comportamento humano.

Devo acrescentar: de forma alguma pretendo defender que isto se deu de um momento para o outro, como se um instante fosse suficiente para virar a história de cabeça-para-baixo. Não. Muito provavelmente, tratou-se um processo lento e heterogêneo, e que possivelmente ainda está em curso. Enfim, é uma questão deveras ampla, e que permanece em aberto. Convido quem quer tenha se interessado por ela, a dar continuidade à discussão.

Por Tállison Sousa 

sábado, 25 de outubro de 2014

O Poder Simbólico do Voto Nulo

Escrevo este texto para manifestar aqui pela primeira vez, e com atraso, o meu voto para esse domingo - coisa que, até então, só havia feito em espaços restritos, quando provocado. Tenho plena consciência de que isso não é do interesse geral, mas irei adiante, pois, apesar de tudo, este é um espaço que me foi amigavelmente concedido para o exercício do meu direito à liberdade de expressão. 
Vamos lá: já vi muitos colegas e conhecidos declararem publicamente voto no Aécio Neves ou na Dilma Rousseff e darem suas razões. Defender o voto nulo é menos comum e é dessa tarefa que me encarreguei, pois este é precisamente o posicionamento que decidi tomar nessas eleições.

Primeiramente, descarto o voto em Aécio. Não porquê eu pense que ele vá ser um governante tão catastrófico quanto a oposição mais radical prega. Pelo contrário, acredito que ele, por estar disposto a tomar 'medidas impopulares', tenha o perfil no qual uma significativa parcela dos investidores confia e, por esta razão, talvez o seu governo seja até positivo para a economia (embora este seja apenas um palpite, pois economia é uma seara que pouco entendo). No entanto, para isso, o candidato tucano terá de dar as mãos aos setores com os quais eu quero brigar. Digo isto porquê, se é verdade que na política não existe neutralidade e que inevitavelmente se tem que escolher um lado, escolhi defender os interesses das classes menos favorecidas. Eu quero exatamente isto: alguém que se levante, encare e enfrente os interesses das elites, ainda que isto signifique por em risco a economia nacional - e confesso a minha inconsequência sem hesitação. Aécio Neves está longe de ser essa pessoa, por este motivo, jamais terá meu voto.

Quanto à presidente Dilma, além das questões de ordem prática, encontro uma razão ainda maior para desejar que a vitória seja dela. Acontece que, mesmo que o PT não represente a classe trabalhadora como deveria  e poderia , a classe trabalhadora se sente representada por ele, da mesma forma que as classe média e alta se sentem representadas pelo PSDB. A derrota do partido tucano tem, então, uma grande importância simbólica, na medida em que reafirma a soberania do povo  algo que nem mesmo a opulência e poderio econômico das elites é capaz de sufocar  e, ao mesmo tempo, transmite aos aspirantes dos cargos públicos a mensagem de que não se governa sem respeitar os interesses dele [do povo] - é o que os mais reacionários carinhosamente apelidam de ditadura comunista brasileira.

Todavia, o PT também cometeu alguns erros gravíssimos que ainda não estou pronto para perdoar, como por exemplo, unir-ser a alguns dos setores mais torpes da política brasileira e abandonar bandeiras que vinham defendendo ao longa de toda a sua história, em nome da manutenção do poder. Sendo assim, decidi que só daria meu voto ao partido se enxergasse um risco real deles perderem as eleições, coisa que, a grosso modo, as últimas pesquisas a que tive acesso não têm revelado (a diferença oscila entre 6% e 8%).

Por estes motivos, endossarei o posicionamento de alguns partidos minoritários de esquerda e de outras correntes que acompanho, como o movimento zeitgeist, e farei parte da parcela dos eleitores que sacrificarão o voto em protesto, gesto que, embora não produza nenhum desdobramento prático  e já me adianto àqueles que pensarem em reprovar o meu posicionamento sob essa justificativa , possui, tal como a vitória do PT, um poder simbólico: mostra que há uma fração do povo que está insatisfeita com o nosso sistema político em sua generalidade; que não se contenta com pouco e anseia por reformas estruturais que o simples voto, a rigor, não trará; e que se recusará a votar em qualquer candidato que não assuma com segurança o compromisso de levar esta luta adiante. Essas são as duas mensagens que eu desejo esperançosamente que o resultado das urnas, com a vitória do PT e o número expressivo de votos brancos/nulos e abstenções, levem aos atuais e futuros representantes do povo brasileiro. 

Por Tállison Sousa

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

LIBERAIS E CONSERVADORES - ROBSON E HENRIQUE: A POLÍTICA CLIENTELISTA NO RN




O devir eletivo do executivo estadual está na iminência, de um lado, a mudança; do outro, a força; de um lado, o novo; do outro, o velho; de um lado, o combate à antiga política, do outro, o conhecimento da experiência. Vejo essa situação e dela concluo - com convicção – que somos alvo, por parte desses senhores, de chacota, de jocosidades, de taxações prosaicas acerca da nossa capacidade de exame e consciência. Como não, se ambos são parturidos no mesmo ventre pernóstico e venal? Dois lados de uma mesma moeda: de um lado, seis mandatos legislativos consecutivos – de 1987 até 2012; do outro, 11 mandatos legislativos consecutivos – de 1971 até hoje.

As faces antiquadas dos velhos políticos - que se "renovam" quando os seus filhos enveredam pelo mundo da "abnegação e dedicação" às causas nobres da política - são resquícios latentes da 1ª fase da nossa história republicana - quiçá da segunda fase do Brasil império, onde dois partidos, liberais (luzias) e conservadores (saquaremas), se revezavam harmonicamente no poder, gerando um ditado que ainda hoje reflete o contexto político: "nada mais parecido com um saquarema que um luzia no poder" - caracterizada pelos currais eleitorais, sinalagma entre o chefete local e o povo imediatamente subordinado.

Assim, somos levados como canoa sem leme ao bel prazer dos detentores dos destinos do povo, num movimento que parece ser legítimo – o movimento das massas atrelando-se a um ou outro candidato – e dele nada possui, pois são as opções possíveis e imagináveis para aqueles que foram inconscientemente lapidados pelos aparelhos ideológicos de controle de insurgência, se mostrando hostil apenas quando se é para defender aquilo que é o nascedouro das nossas máculas sociais e políticas mais profundas, o ancien régime

Por Jessé Rebouças

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A DIMINUIÇÃO MAIORIDADE PENAL: UMA LUTA SEM LEGITIMIDADE SOCIAL



Não resta dúvida, em todos os lugares a violência aumentou substancialmente, principalmente nas áreas urbanas, o que gera uma miscelânea de medo, apreensão e revolta. Recordo-me, há alguns anos atrás, na minha infância, do pacato ambiente da minha pequena cidade - Areia Branca, no interior do Rio Grande do Norte, cuja população ainda é pequena, o último senso do IBGE deu um pouco mais de 25 mil habitantes - onde dormíamos de portas abertas como costumávamos dizer. Essa não é, certamente, a nossa atual realidade, pois mesmo nela, nosso pequeno pedaço do paraíso, o flagelo da violência e criminalidade se mostra latente. Dados oficiais indicam que o número de delitos cresceu, agora, é mister indagar as razões que explicam esses acontecimentos. 

O crime é um fato social, - teoria de Durkheim, embora, segundo Lucien Goldman, sua tendência "a subestimar a importância dos fatores econômicos na compreensão dos fatos humanos" se mostra latente - como tal,  suas razões se encontram no seio que o produziu. Não é original ou novo esse pensamento, pelo contrário, é relativamente antigo, mas o senso de individualidade produzido ao longo de centenas de anos numa mentalidade sustentada pela chamada vontade potestativa absoluta e sobressalente em relação às demais e fortes influências das fontes mesológicas, esta sendo o que a vulgata da população acredita. Isso de forma nenhuma me surpreende, pois as visões de mundo e suas ideologias tem uma lógica de cima para baixo - da elite para as massa. É com essa primeira alegação - individualismo do agente que pratica o crime - que inicio a querela para trazer novos prismas às questões sociais deturpadas e sensacionalizadas pelo senso comum e pelos veículos de comunicação, que cada vez mais sedento por sangue, faz o papel oposto ao do informar e conduz a população para uma espécie de vingança privada, cuja consequência tem trazido inúmeros ajustiçamentos, estes mais próximos da barbárie social que da célula da justiça. 

Pois bem, esse meu primeiro enfoque é com certeza o mais importante, pois nele reside certas justificativas defendidas pelas massas e que são falsas, como por exemplo a autodeterminação do sujeito que "escolhe" viver no ambiente criminoso. Quem já andou, assistiu um documentário ou é minimamente informado, pode ter um vislumbre do que seja o ambiente periférico, insalubre, desassistido, expurgado, enfim, adjetiva-lo não é uma tarefa das mais difíceis, o que é mais importante e que está nas entrelinhas é a falta de oportunidade ou investimento no humano, - ou seja, educação - jungido, há uma série de fatores, como convivência na geografia do estado paralelo, a carga axiológica trazida por essas relações intersubjetivas, isso tudo vai moldando o ser. Logo surge uma pergunta de caráter retórico: como uma criança que cresceu vendo tráfico de drogas, armas, dinheiro fácil acarretado pelo mundo do crime, falta de uma estrutura familiar, - geralmente tem um pai ou mãe drogado, as vezes e não raro, os dois - falta de assistência, falta de orientação, o convívio com a miserabilidade extremada etc., terá o pudor de não atentar contra outrem quando ele próprio foi deformado durante toda a sua vida? 

Dentro dessa indagação cuja resposta não agrada a sociedade, haja vista que ela passa pela responsabilidade direta de todo o corpo social, que surgiram os movimentos ligados à majoração das penas e a diminuição da maioridade penal para 16 anos, como se o aumento da punição pura e simplesmente trouxesse segurança e reflexão para aqueles que tiveram toda a sua vida negada pela falta de dignidade, pelos estigmas do submundo, e neles gerasse um anteparo que interromperia condutas delituosas; não sei se essa visão é apenas apedeuta ou ela esta ligada também à atrocidade para com seus pares, ou não se quer enxergar a verdadeira raiz do problema, ou mesmo, quem sabe, pareça óbvio que o simples aumento seja inibitório - sobre a obviedade, gostaria de citar Darcy Ribeiro, onde, no seu livro Sobre o óbvio, ele diz que o cientista é como alguém que procura tirar o(s) véu(s). Entre essas obviedades, existe uma que é a necessidade que o pobre tem que exista o rico, pois se ele não existisse, eles não teriam direito à esmola ou a emprego, portanto o rico é essencial para a existência do pobre; outra dessas, é a obviedade de que os negros são inferiores aos brancos já que esses despendem grande esforço para ascenderem na vida mas não conseguem, o que é evidente pela inferioridade intelectual, é óbvio.

Assim, qual a legitimidade que o Estado brasileiro tem para aumentar pena(s) e/ou diminuir a maioridade penal se a razão da existência do próprio Estado e do ordenamento jurídico, que é a promoção do princípio da dignidade da pessoa humana, é a principal vítima da inapetência dessa conjuntura de deficiências? Nessa brincadeira de poder, quem padece dos mandos e desmandos, infelizmente, é a população carente, estando ela sujeita às intempéries do destino, onde existem duas condenações preexistentes: o nascimento e a luta pelo direito de continuar vivo - esta última me parece muito mais uma penitência que um gozo. Hoje, as atuais discussões sobre o fim do anódino - programas sociais - ganha monta pelo fato da falta de providência mais percuciente por parte do Executivo, o que gera uma situação muito próxima à da Norte América na década de 80, o relato vem do livro de Loic Wacquant, Punir os Pobres, "No decorrer das três últimas décadas, ou seja, depois dos confrontos raciais que abalaram os grande guetos de suas metrópoles, a América lançou-se numa experiência social e política sem precedentes nem paralelos entre as sociedade ocidentais do pós-guerra: a substituição progressiva de um (semi) Estado-providência por um Estado penal e policial, no seio do qual a criminalização da marginalidade e a 'contenção punitiva' das categorias deserdadas faz as vezes de política social(...)De resto, o Estado penal que substitui peça por peça o embrião do Estado social é, ele mesmo, incompleto, incoerente e muitas vezes incompetente, de maneira que não poderia preencher as expectativas irrealistas que lhe deram origem nem as funções sociais que, tacitamente, ele tem a missão de paliar." Ainda no seu livro, ele traz dados sobre o aumento da criminalidade, o que gerou um aumento de 314%  na população carcerária.

O que está por baixo dessa estrutura são os fatores geradores do aumento da criminalidade: educação - ou a falta dela, ausência das condições de igualdade, preconceito, migração, crescimento populacional, desempregos ou subempregos. Antes de falarmos em quem delinque, é necessário apontar as falências das instituições governamentais, dos títeres eleitos por nós, o povo, e que são subservientes a um pequeno grupo detentor da vida, da morte e das consciências, para só então ganhar em legitimidade, onerar os pobres, - pois são os que mais são suscetíveis à prática de delitos, principalmente, os de pequeno valor, como furtos e roubos, os chamados "ladrões de galinha" - enquanto os sanguessugas da nação são mantidos no seio do poder, fazendo jus, fidedignamente, à expressão crime organizado. A mídia tem contribuído substancialmente para essa construção, fazendo apologia à vingança privada, - principalmente esses ditos programas jornalístico de cunho eminentemente policial - a linchamentos, sem falar nas cenas de pessoas dilaceradas, o que deforma o caráter das nossas crianças e até mesmo dos adultos, num movimento que desabona o sagrado valor da vida, banalizando-o. 

Agora, adentrando na especificidade do tema, uma das principais bandeiras levantadas por esse pragmatismo penal e que virou merchandising  político para cooptar votos, é a diminuição da maioridade penal, ganhando em notoriedade principalmente por que o vice na chapa do presidenciável Aécio Neves, Aloysio Nunes, do PSDB, é o autor da  PEC/33 - 2012, cuja justificativa por ele utilizada segue:          
“Não se pode questionar o fato de que sob a proteção deste mesmo estatuto (ECA), menores infratores, muitas das vezes patrocinados por maiores criminosos, praticam reiterada e acintosamente delitos que vão desde pequenos furtos, até crimes como tráfico de drogas e mesmo homicídios, confiantes na impunidade que a Constituição e o ECA lhes conferem. É o caso, por exemplo, de Genilson Torquato, de Jaguaretama, no Ceará, hoje já maior de idade e livre, assassino confesso de 11 pessoas, dos 15 aos 18 anos. Ou do adolescente de Maringá, conhecido como o “Cão de Zorba” que confessou ter matado 3 pessoas e teria encomendada a morte de mais 4. Ou ainda de M.B.F., o “Dimenor”, ligado à facção criminosa paulista P.C.C., que aos 17 anos confessou a morte de 6 pessoas a mando de traficantes, a primeira delas quando tinha apenas 12 anos de idade. Muitos hão de lembrar-se do menino “Champinha”, que comandou o sequestro e morte de um casal de jovens em São Paulo. Ressalte-se que este garoto já houvera sido assistido e recolhido por diversas instituições especializadas na recuperação de menores infratores, antes de praticar tão odioso crime. Mais recentemente, tivemos notícia do menor no Rio Grande do Sul, autor de 112 atos infracionais, no momento de uma audiência tentou matar a promotora de um dos seus casos. Compreendemos perfeitamente os riscos de se legislar em função de casos específicos, dando um caráter geral ao que poderia ser tratado de forma particular, especialmente em se tratando de reforma da nossa ainda jovem Constituição. Também somos contra o que se convencionou chamar de “legislação penal de urgência”, em que o legislativo se move motivado por tragédias ou crimes que chocam a comunidade, com grande repercussão midiática. Mas algo precisa ser feito em relação a determinados e específicos casos, que infelizmente têm se proliferado à sombra da impunidade e longe do alcance de nossas leis.”   

Essa justificativa é tão contraditória quanto ridícula, haja vista que nela estão elencados elementos que são paradoxais à própria propositura, como ser contra ao direito penal de emergência, mas em contrário a isso, cria uma "medida de emergência" que na realidade não o é, pois não tem o condão de mitigar o problema, mas acentuá-lo. Usando casos pontuais como argumentos de base e sustentáculo - tudo bem que essa é uma realidade inegável, mas ele próprio aponta que os mandantes desses crimes são os "dimaior". Claro, pois a nossa juventude se encontra à míngua, localizando nessa "família" o preenchimento das lacunas cujo bafio deixa um rastro que se seguido encontra concepção em Brasília. Nós temos um Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que não tem a mínima observância pelos poderes, a corrupção corrói os setores políticos, as nossas universidade estão sucateadas, a educação de base e média não funciona, e esses escroques vem falar em aumento da violência quando o produto dessa consequência tem sua raiz na sua própria inépcia e irrisão à sociedade? Pura chicana! Eu poderia aqui apontar as impossibilidades jurídicas ligadas aos Direitos e Garantias Fundamentais, mas julguei de melhor valia uma análise mais social do problema, alhures da visão mais tratadista e normativa da cousa. 

Não me entendam mal, não sou a favor das barbáries cometidas seja ela por quem for, mas o Direito Penal é a última ratio e ele não tem a função de endireitar os problemas sociais, estas devem advir de políticas públicas de qualidade, pois não é na criminalização desenfreada que encontraremos solução para os problemas estruturais da nossa nação - só para trazer uma nova discussão: antes de criar novos padrões penais, quantos crimes tem seus agentes identificados? Quantos inquéritos policiais tem sujeitos definidos? Qual a taxa de eficiência desses inquéritos? Quantos crimes foram e são arquivados por falta de investigação ou mesmo nunca chegaram a ser abertos? Essas perguntas me parecem mais relevantes, pois como se pode falar em movimento de criminalização se o problema ululante é a impunidade? Temos que refletir o cotidiano, descortinar as certezas, buscar o íntimo da celeuma para não ser leviano e desmistificar as "verdades" vendidas por aqueles que não tem o escrúpulo ou à percuciência necessária para identificar soluções pontuais e eficazes.         

Por Jessé Rebouças         
  


domingo, 5 de outubro de 2014

NOVAS ELEIÇÕES, ANTIGAS DECISÕES



Hoje, de acordo com o costume hodierno do biênio eletivo, exercemos o nosso direito/dever de cidadão e elegemos, tal qual preleciona a Carta Magna, nossos representantes no Legislativo e no Executivo nas esferas estaduais e federal. Não resta dúvida que esse é um poder inalienável para o exercício da cidadania e o exercente dessa atividade, no gozo pleno das suas faculdades, escolhe o que melhor entende para fazer parte do corpo dos representantes do povo. Sim, somos autônomos para escolher os que melhor se encaixam como modelo de qualificação da política e os que mais fidedignamente atendem os interesses do conjunto dos representados. Pois bem, essa deveria ser a persecução diuturna do cidadão para que se promova o bem-estar social almejado. 

São constantes os motins de reclamação,- facilmente constatados quando andamos nos supermercados, escolas, faculdades, lanchonetes etc. - onde cada um, na iminência das eleições, se torna um judicante da vida social e dos problemas por ela acarretados, período de grande externamento de indignação, sendo apresentadas, mediante essas querelas reivindicatórias, as mais variadas alternativas e soluções. Eu, um transeunte observador, um passante atento, vejo os estridentes alaridos dessa "população consciente" e afirmo pra mim mesmo: que alegria, nosso povo está se revestindo das responsabilidades inerentes ao exercício e aplicação da democracia. Como um dogma de fé por dias melhores pode interferir na visão real acarretando ilusões? Sim, a necessidade da esperança nos fazem turvar a vista para o que é óbvio: não existe mudança, não existe impulso para emergir da mesmice.

Noveis pleitos e a preponderância das antiquadas oligarquias; currais eleitorais. Nossa redemocratização enfrenta o flagelo do clientelismo que assola à Federação nos quatro extremos do País, onde é notório o revesamento das cadeiras do Legislativo e Executivos por membros de uma mesma família ou de um mesmo grupo político espúrio, cuja raiz nas entranhas do poder remonta à eras priscas, cooptando para si, como se seu fosse, os cargos emanados do poder delegado pela sociedade para garantir o sanamento das necessidades de todos, em benefício próprio e de toda a sua família ou grupo. Na minha interpretação, há um modelo factível que pode possibilitar mudanças significativas na estrutura e na conjuntura institucional, porém, o cimento utilizado para essa alternativa possível se encontra revestido dos velhos encadeamentos fisiológicos do poder da plutocracia. Então, somos tão imberbes ao ponto de não nos darmos conta que o atual regime político, tal como era antes, só serve a si mesmo?

Não, eu acredito piamente que o nosso povo não perdeu a capacidade de escolher bem, infelizmente, o que não existe é a condição para que a nossa sociedade interprete o que se põe, amalgamado com uma descrença significativa da sua força - fruto, também, da dissonância das vozes protestantes - e a convicção - equivocada - na impossibilidade de ser extirpado o malsã conjuntural da corrupção quase atávica das instituições políticas brasileiras. Utilizando os ensinamentos do Prof° Roberto Mangabeira Unger, seguimos uma lógica progressista do mal menor, nesse sentido, a população vota certo, sempre preferindo o mal menor frente os candidatos que são integrantes do complô dos manutencionistas do poder. Assim, seguimos protelando mutações reais, nos acomodando com meras pinceladas sobre às máculas sociais, trazendo uma aparência de início de engajamento nos trilhos da civilidade, mas que na primeira intempérie se mostra a fragilidade das pinceladas, escorrendo por entre os dedos o reformismo, vindo à tona a verdadeira face da ineficiência e as falhas políticas do qual são vítimas todo o povo brasileiro. Novas chances de escolhas viram, novas filas para as escolhas se formaram, mas as antigas decisões se manterão, esse é o legado malfeitor que ronda nossa realidade como um espectro que arrefece as chamas do íntimo do nosso ser.         

Jessé Rebouças