quinta-feira, 26 de março de 2015

PEC 40/2001 - O FIM DAS COLIGAÇÕES PROPORCIONAIS EM ELEIÇÕES PROPORCIONAIS E O INÍCIO DO CARTEL NA POLÍTICA: O Outro lado da moeda 


     Culturalmente, nos caracterizamos pela desídia nas responsabilidades no exercício típico da cidadania, o que invariavelmente trará consequências, dentre as inúmeras, algumas são mais robustas, como: não haver um sinalagma entre o corpo dos representantes e dos representados, leis que são espelho de uma realidade diferente daquela da população, sensação de vácuo representativo etc.. Existem embasamentos históricos para essas características, tendo em vista que o exercício do poder político no Brasil foi sempre exercido por uma aristocracia vitalícia, não sendo incentivado um espírito ou sentimento democrático material. Esse pressuposto erigiu uma série de problemas, como total desconhecimento das conceituações e também sobre o modelo institucional e os seus arranjados práticos e teóricos - é em suma um déficit educacional propriamente dito, mas não qualquer déficit, sendo ele o mais venal, como bem nos alertou Bertolt Brecht em relação ao analfabeto político: "Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimento políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político, vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo. Desconfiai do mais trivial, na aparência do singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar." 
     Dentre as inúmeras malversações, exsurge mais essa (PEC 40/2001), de autoria de José Sarney, o "Dono do Maranhão", sobre o fim das coligações proporcionais nas eleições proporcionais - só quero alertar que essa proposta não é incoerente às conjecturações suas, sendo ele um dos agente empoderados do País, mas aos demais mortais, às minorias e aos grupos espoliados, sim. Não se deixou claro para a população quais as consequências dessa proposta de emenda constitucional, embora no ideário popular "os partidos nanicos" - como a seborreica impressa caricata chama - sejam visto como algo sem força ou inexpressivos, para a Democracia eles são um dos oxigênios que trazem alguns ares de novidade ou mesmo  de movimento ideológico, tão caro aos valores plurais, fazendo-nos pensar por outro prisma que não o da maioria, nos dando por vezes a chance de raciocinar sobre algo que nos parece natural e não o é, do outro lado, perder-se-ia, também, na representatividade geral, posto que a ambiência de concepção das leis deve ser essencialmente mosaicista, plural, cosmopolita, tendo como reflexo um legislativo representativo geral e não somente majoritário. Ainda nessa consequência, minorias que historicamente não foram vistas - é mister constar que uma das formas de se fazer ver é no ajuntamento de forças, quando socialmente não se tem uma maioria para se fazer ver, o sistema político vai e corrige essa diferença através da proporcionalidade - se fazem às luzes da institucionalidade pelo sistema representativo proporcional. 
     Certamente, como tudo nesse País, esse problema foi tratado com distorções e desapego às conceituações, justificáveis - e não aceitável - na medida do néscio populacional. Os problemas eleitorais e políticos de um modo geral são demonizados por serem mal compreendidos ou turvados por certas práticas, o que não encerra o modo como ele deveria ser tratado e para que foi criada. A Democracia é uma invenção grega das mais caras, porém, com a peculiaridade de ser uma sociedade escravagista e segregacionista, lá, a minoria da população era quem fazia parte do rol dos cidadãos, aos demais: inobservância. Felizmente, essa história mudou e onde havia apenas uma minoria com representação, passou à maioria. Como o decurso histórico é uma das formas de aprimoramento do homem enquanto ser pensante e da sociedade como produto dessa visão, vimos que o simples conceito de maioria não comportaria a complexidade de uma sociedade cada vez mais diversificada e plural, havendo necessidade de uma construção teórica que possibilitasse representação desses grupos minoritários e que necessitam de voz para não serem atropelados pelo talante da maioria - conquista civilizatória digna de nota, conste-se. Contrariamente às evoluções históricas, nasceu um movimento dos mais pérfidos capitaneados pelas elites políticas do Brasil - o que reafirmo é extremamente coerente com a sua forma de ver o governo, haja vista serem eles os donos dos grandes partidos no Congresso Nacional, sendo consensual com a sua maneira de fazer política, já que eles se beneficiaram dessas mudanças; é legítimo na medida em que eles fazem parte de uma parcela da população, não o sendo para as demais parcelas, fragmentadas em um sem nome de ideologias e opiniões; com o advento eventual da aprovação dessa PEC, criaremos os carteis políticos -, cujo intuito é o fim da coligações proporcionais. Como anteriormente afirmei, a proporcionalidade é o meio pelo qual as minorias se valem para que os holofotes da institucionalidade se virem para eles, sendo extremamente importante no processo de criação das leis com diversidades ideológicas, quanto mais fecundo o ambiente de criação, mais legítima é a lei, não atendendo somente a necessidade da maioria, mas da generalidade dos que estão sob a égide do Estado Democrático de Direito - antiga ideia do filósofo Rousseau, na figura da vontade geral. 
     As consequências serão hecatômbicas, porque os dinossauros da política circularam sem maiores pudores com propostas absurdas e antidemocráticas, embora as minorias pouco fizessem em relação aos ganhos políticos - já que para haver algum ganho é necessário antes a famigerada "força política" (traduza-se, mais corrupção, mais compra de voto, mais escrotice) -, este pouco serve muito simbolicamente - ou seja, o sentido latente é mais forte que o sentido manifesto -, agora, escoando-se por entre os dedos da legitimidade - neste ponto, faço um paralelo com a antessala da Revolução de 1789 e a convocação dos Estados-Gerais, sendo que no 1° estado estava o clero, no 2° a aristocracia e no 3° as demais classes amalgamadas na figura da burguesia; quando ocorria algum resultado imprevisto, os dois primeiros estamentos que embora divergente poderiam ser trazidos na expressão "farinha do mesmo saco", tendo em vista os inúmeros privilégios e isenções comuns, se alinhavam e votavam contra os interesses do 3° estado, porém, é do 3° estado que parture-se as forças que derrubaram os Ancien Régime. O cenário é em si lúgubre, nos resta conviver e apostar no poder de autoevolução dos movimentos sociais e políticos, aposta essa baseada mais na esperança e fé que na faticidade - os fatos dizem o extremo oposto, ou seja, que entraremos num mar de retrocesso sem igual -, mas sem elas não faria sentido apostar na sociedade e seu viés democrático, ainda somos imberbes políticos, nossas instituições são demasiadamente jovens e as tradições cidadãs não estão devidamente arraigadas, é no exercício prático das mudanças que amadureceremos e aquilataremos nossa Repúblicas, sendo imprescindível, às vezes, dar um passo atrás para dar dois à frente. 

Por Jessé Rebouças 

quarta-feira, 11 de março de 2015

A CRISE POR TRÁS DA CRISE: O PT E O DILEMA BRASILEIRO


Nos últimos períodos - principalmente após à reeleição da presidente da República Federativa do Brasil, a excelentíssima senhora Dilma Rousseff - enfrentamos sérios problemas de natureza política, com fulcro na - pelo menos sob um olhar macro-genérico - corrupção. Não existe dúvida a respeito da atual desestimulação advindas das nossas lideranças, isso é latente, mas será que é essa toda a raiz do problema?
Em todos os lugares, alaridos raivosos, desmedidos, seja nos telejornais - hoje traduzida na figura de uma banca de sensacionalismos cujo único intuito é insuflar e estimular posições canhestras na população -, seja nas residências - que não é mais, como antes, um ambiente particular, muito pelo contrário, com a atual internetworking das comunicações nos sistemais globais, as distâncias se reduziram ao alcance de um clique -, trazem os mais improváveis discursos, "nova ditadura", "é culpa do PT" etc., mas nenhum, repito, nenhum, diz qual é o verdadeiro problema que circunda a querela: identidade cultural. Todas as críticas dirigidas pelos veículos de comunicação e pela sociedade civil têm o que podemos definir como "efeito manada", presente ainda mais quando temos um encurtamento de distâncias e da acessibilidade. Debruçar-se sobre esse tema exige ausência de inépcia, porque enquanto nos escusamos de ser naturaliter superior - no sentido kantiano - nos abstemos de construir e raciocinar o porquê.
No Brasil, um velho prolóquio define a construção do caráter do nosso povo: "faça o que eu digo, não faça o que eu faço". Ou seja, o problema é muito maior que o breve lapso temporal de um governo, que a influência de A ou B, mas ínsito da nossa construção como Nação. Temos afeto ao "jeitinho", à emenda, ao alijamento das regras, sendo que o trejeito que nos define, e por corolário os políticos - nossos fieis representantes -, à lá Eneas, é a hipocrisia. É muito acachapada essa constatação, mas esse fato não retira a sua veracidade. A crise, além da política, é uma crise da vida cotidiana. O acerbo das opiniões é uma sentença de autorreprovação do povo em relação a si, o que de maneira nenhuma não deve ocorrer, mas manifestada de outra forma, podendo ganhado contornos legítimos, como por exemplo, uma sociedade com conduta retilínea, compraz à lei.  O baluarte da estupidez e da mediocridade se situa justamente no enrijecimento ou inflexões das opiniões, o que impossibilita, ululantemente, a abertura para uma propositura cerebrina e eficaz. Nossos problemas são antes educacionais e culturais - é na cultura o maior deles, nas nossas figuras de um "herói sem caráter, ou melhor, de um personagem cuja marca é saber converter todas as desvantagens em vantagens, sinal de todo bom malandro e de toda e qualquer boa malandragem" (Carnavais, malandros e heróis, Da Matta, pag. 287) - é interessante perceber uma aura de dogma nessas opiniões, o que traz mais um ponto negativo à celeuma.
Um ponto deve ser tocado, todo comportamento como modelo a ser seguido tem uma lógica da ascendente para descendente, ou seja, das classes abastadas para as menos favorecidas, consoante lição de Maquiavel, "não se pode honestamente satisfazer os poderosos sem lesar os outros, mas pode-se fazer isso em relação aos pequenos; porque o intento dos pequenos é mais honesto que o dos grandes; enquanto estes desejam oprimir, aqueles não querem ser oprimidos."(O Príncipe, Maquiavel, Cap. IX - Do Principado Civil). Eu não posso ser leviano ao ponto de exigir soluções das nossas atenazadas periferias, dos nossos caboclos, mas também não seria honesto em dizer que os problemas da Nação são unicamente (d)os políticos, porque não existe representação não legítima. Todos carregamos a nossa parcela de responsabilidade pelo atual cenário, que aliás não é nada novo, vem desde à fundação da República, ou melhor, desde à instalação do império, o que podemos dizer haver hoje é uma maior transparência, não sei se essa é a palavra que melhor classifica, refazendo, tornou-se mais difícil esconder mazelas, a publicização é um fenômeno relativamente recente - devemos lembrar que até bem pouco tempo os parlamentares gozavam da improcessabilidade penal em função de um dos aspectos da imunidade formal, exigindo-se prévia licença à respectiva casa legislativa a qual o parlamentar era pertencente. Essa mudança só ocorreu com o advento da EC 35-2001, a partir dela se tornou possível a instauração do processo-crime sem a vênia legislativa.
Nossa democracia ainda é impúbere, nossos fundamentos ainda estão se solidificando, nos reafirmar como Nação é o que precisamos, e mais, é mister fazer uso de uma das conquistas mais caras da história dos povos: cidadania. Prevista no art. 1°, II, CFRB, como um dos fundamentos da nossa República, que se faça valer tão nobiliário direito, cujo verso também é um dever, um sinalagma perfeito entre o direito de exercer e o dever de o fazer, sua sintonia traz os resultados mais belos e satisfatórios, desde que o façamos adequadamente. É no chamamento da responsabilidade que sairemos desse lodaçal de ignomínias, somos os titulares do poder, como tal, devemos agir no sentido da eteridade.
Está claro que não é satisfatória - pelo contrário, distancia-se anos-luz - para nenhum cidadão cônscio esta situação de escrotice, da ambiência de oportunismo, de roubalheira e seus congêneres, mas esse não é o enfoque, o terrorismo acéfalo e a sensação de iminente antessala de regime de exceção que querem crer que está se formando, porque não se vê resultado imediato. É óbvio, problemas dessa natureza são geralmente conjunturais, o que demanda resiliência. Saber lhe dar com problemas é antes uma características das nações desenvolvidas, sabendo ser essa uma tarefa difícil, já que diante da hegemonia da telecomunicação nas mãos uma única emissora - globo -, as visões da realidade - que não deveria ser outra senão a verdade - ficaram e estão comprometidas, principalmente por esse jogo sujo de poder que existe nos bastidores dos palácios, ambiente de um sem nome de rapace pelo dinheiro e poder.
Saber como se portar perante esse terrorismo midiático não é um tarefa das mais fáceis, haja vista termos de nos munir de certos conceitos, principalmente filtrar o que sai do talante das manipulações dos empoderados, não só, a esmagadora maioria da população recebe às informações como verdades irrefutáveis, impassíveis de questionamentos ou contraposições - o que novamente vai ao encontro dos fatores educacionais, no instinto de investigação ou mesmo capacidade para diferir o certo do improvável -, o que é um absurdo inenarrável, já que tanto há contrapontos como geralmente só têm contrapontos. Cito claramente um exemplo, há alguns dias, assistindo a um jornal da globo, apresentado por William Waack, chapado na edição de entrada: "escândalo da Petrobras" - como aliás há vários dias seguidos essa tem sido a única notícia em evidência, não que eu esteja reclamando, sendo muito correto tal maneira de agir, mas nem tanto por ser claramente psdbista (http://www.manchetometro.com.br/). Lá, mascaram dados, mantendo o enfoque no prejuízo dos últimos meses da Petrobras, não deixando claro o porquê: segurar os preços para que o nosso povo não sentisse o aumento substancial do preço do combustível em função do aumento do preço do barril de petróleo, que é enlaçado ao dólar. A mídia no Brasil tem lado, certamente não é ao lado do povo.
Nosso dilema é essa amálgama de frivolidade e complacência com a conveniência, e não com a retidão - nesse sentido, recordo-me de uma frase de Miguel Reale numa entrevista no programa Roda Viva: "o brasileiro critica sem saber e silencia por calculo." Eis, pois, os motivos geradores de vários malsãs. É preciso uma reformulação profunda no ideário axiológico da população, até lá, a extensão fiel dos valores espraiados genericamente na sociedade, quando se acerbam no nossos representantes, traz essa sensação de absentismo, de acinte à população, mas nós criamos nossos próprios demônios. Toda mudança tende ao extremo oposto, nessa levada, é temerário que o incipiente Estado Social se veja comprimido, como de fato já está ocorrendo, sendo visto como acoitamento para vagabundo, ou gente que não tem coragem de trabalhar e são parasitas sustentados pelo governo. Essa opinião tem uma origem mais profunda, nos valores das revoluções iluministas, no individualismo, nos direitos de primeira dimensão, devendo ser transposto esse pensamento retrogrado, a finalidade do Estado é servir, e servir bem àqueles que o conceberam, não sendo o Estado uma razão em si e para si, mas para todos, principalmente para os hipossuficiente. Esse terreno de contradições e interesses é o fundo de tudo o que se posta, nossas crises existenciais se afloram nas pequenas e grandes questões que estão pendentes há decênios. Portanto, o mero julgar e possivelmente o condenar dos integrantes da quadrilha que depredou o patrimônio dos brasileiros não terá efeito prático de vulto, essa quadrilha será substituída por outra, mais uma sanguessuga, mais um incomensurável nome e número de escândalos que foram abafados nos governos anteriores, já que não existia essa acessibilidade à justiça e aos meios de comunicação. Apontar saídas é uma tarefa excessivamente difícil, por isso, tão caro, característica própria dos estadistas, e no nosso caso, a exigência é abissal, a transmudação precisa ser no espírito da nossa gente, ou seja, a nossa identidade de povo. Quando nos sentirmos responsáveis e agirmos como tal, não delegando responsabilidades - de acordo com a velha parêmia "alguém precisa fazer alguma coisa" -, então o nosso destino verá mudanças substanciais, se alguém precisa fazer alguma coisa, somos nós.

Jessé Rebouças