quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Quando o homem passou a sentir vergonha de si mesmo?

O que escrevo aqui não se baseia em nenhum estudo científico ou dados históricos cautelosamente recolhidos. Trata-se de uma simples ideia que, de relume, me veio à mente, e achei que merecia ser posta no papel antes que desvanecesse, que fosse arrastada pelas correntezas do incessante rio dos pensamentos, rumo ao esquecimento. Pode ser que, futuramente, essa incipiente e bisonha ideia já esteja mais amadurecida, que tenha sido aprimorada, aperfeiçoada, ou, por outro lado, refutada e descartada. E aí talvez eu pense em revisar esta publicação com mais propriedade. Mas, por enquanto, contento-me em reproduzi-la da forma tosca e desabrida que agora se me apresenta.

Há algumas semanas, tenho lido um pouco a respeito da noção de crime e de moral, chegando à mesma conclusão a que outros homens muito mais aprestados — e que viveram em tempos onde imaginamos que tenha sido mais difícil sê-lo — chegaram, de que ambos são fatores cambiantes, que seguem o devir que escolta as mudanças sociais. De fato, penso que na vida social não há inércia. O que a sério ocorre é que a velocidade de suas transformações é inconstante. Em alguns momentos, retarda a ponto de se tornar imperceptível. Em outros, acelera vertiginosamente, como sucede nas revoluções, que lançam a sociedade no futuro.

Isto em mente, deparei-me com uma questão que me inquietou. Há uma enorme e indelével nódoa que cobre o passado humano, algo que hoje se nos apresenta tão abismático, tão contraditório com a imagem simbólica e romântica que temos de nós mesmos, que nos causa opróbrio. Nós, os antropos, que estamos no topo da cadeia alimentar, que somos o centro do universo, a imagem de Deus, cometemos atrocidades das quais nem o mais irracional e repelente dos animais é capaz. Roubos, estupros, assassinatos? Não. Isto eles fazem com a maior naturalidade, pois trata-se de uma precondição quase que inafastável à sobrevivência no meio selvagem. Mas o homem consegue ir mais além, faz tudo isso e mais sem nenhuma razão aparente.

Contudo, o que realmente me prendeu a atenção não foi os atos de crueldade que praticamos, mas o fato de sentirmos vergonha deles, pois é verdade que nem sempre foi assim. Antigamente,  a título de menção, possuíamos leis que permitiam cortar as mãos de um ladrão, que dava aos pais direito de matar os próprios filhos, e aos credores a faculdade de escravizar os seus devedores. Esta lista sombria é imensa, e ainda devemos levar em conta o fato dela ter chegado até nós fragmentada. Sua maior parte deve ter ficado esquecida nos porões da história. O que fez, então, com que tantas condutas que hoje consideramos crimes dos mais odiáveis, no passado fossem recorrentemente praticadas, e com a maior espontaneidade? Quando foi que o homem passou a sentir vergonha de si mesmo?

Aqui chegamos ao desfecho deste pequeno texto: farei a minha aposta. Foi quando o homem passou a se enxergar como o mais perfeito ser vivente da Terra. Quando resolveu olhar no espelho, bater no peito e dizer vaidosamente "eu sou civilizado". A partir daí, passou reprimir cada vez mais os carácteres que o punham ao lado dos outros animais. O autoconhecimento, seguido da vaidade seria, pois, a chave que teria desencadeado essa mudança paradigmal no comportamento humano.

Devo acrescentar: de forma alguma pretendo defender que isto se deu de um momento para o outro, como se um instante fosse suficiente para virar a história de cabeça-para-baixo. Não. Muito provavelmente, tratou-se um processo lento e heterogêneo, e que possivelmente ainda está em curso. Enfim, é uma questão deveras ampla, e que permanece em aberto. Convido quem quer tenha se interessado por ela, a dar continuidade à discussão.

Por Tállison Sousa 

Um comentário:

  1. Caro Tallison, li com atenção suas linhas, não estou certo que esta seja uma realidade. Houveram momentos mais e menos honorários na história da civilidade, não vejo como o homem pode se envergonhar de si, pode ser que ele se envergonhe do que ele se tornou. No caso, não seria uma vergonha daquilo que ele é, mas dos fatores que o levaram a ser. Mesmo assim, ainda não estou convencido desse meu posicionamento, tenho que amadurecer devidamente ou mesmo contrariar os pontos que aqui estabeleço.

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